É possível ser espiritualizado, sem ser religioso?
Claro que sim. Espiritualidade e religiosidade são
diferentes, podendo ou não serem complementares.
Religiosidade é professar algum dogma ou crença, via de
regra ligada a uma instituição, formal ou não. Enquanto a espiritualidade
prescinde destes fatores.
O religioso, ligado a uma instituição, segue suas regras e
normas, rituais, com base em texto – tido por estes – sagrados. Crê, o
religioso, em fatores externos capazes de promover seu crescimento interior.
É preciso ressaltar a importância das religiões,
principalmente junto aos povos primitivos, atuando como um “amortecedor” social
– alguns falam em “controle” social. Mas de fato, as religiões muitas vezes
ditavam as leis e em algumas religiões, tornaram-se efetivamente
leis.
A diferenciação não tem por objetivo reduzir a importância
da religiosidade em relação a espiritualidade. Apenas e unicamente dizer
poderem caminhar lado a lado.
O espiritualista busca sua conexão com o universo, com o
cosmos por outros meios, sem necessariamente seguir alguma doutrina formal. Vez
por outra, busca em doutrinas não formais e até mesmo rituais filosóficos,
conhecimento e ferramentas para esta conexão.
As religiões basearam seus sistemas de crenças em
divindades, deuses, criando cultos de adoração e devoção. Algumas em apenas um
deus, outras com grande variedade deles, cada qual para o atendimento de
demandas mais específicas. Em algumas, tais divindades são personificadas.
Já o espiritualista tem uma visão mais ampla, acreditando em
energias vitais, na qual todos nós estamos imersos, atingindo transmutações e transformações
ao longo da vida e mesmo após.
Muitas religiões – maioria – chegam a definir a existência
de “céus” e “infernos”. Podendo ser um para cada caso (religiões cristãs), ou
mais de 32, no caso de algumas religiões orientais.
O ponto em comum, tanto para o espiritualista como para o
religioso, está no anseio e mesmo necessidade de buscar sua elevação espiritual,
seja nesta vida ou em preparação à próxima. Mas vale destacar: a maioria das
religiões não acreditam em processos reencarnacionistas, como meio de elevação
ou de correção de rumos. Outras, entretanto – mesmo com fundamentos cristãos –
creem em processos de reencarnação sucessivos.
E aqui cabe também ressaltar uma diferença essencial entre “fé”
e “religião”. Ser possuidor de “fé”, não implica necessariamente ser religioso
ou “acreditar” em alguma divindade, seita, dogma. “Fé” implica em acreditar em
algo, que pode ser inclusive, no ser humano ou naquilo que deveria “ser” o
humano.
Também é importante dizer que a “fé” deve ser desenvolvida,
primeiramente, em si mesmo. Acreditarmos em nossas capacidades de transformação
pessoal, para então podermos desenvolver a crença na possibilidade de transformação
geral.
Novamente, a religião pode fornecer algum apoio e ajuda no
desenvolvimento desta “fé”. Assim como o espiritualista poderá buscar
desenvolvê-la, sem o apoio de algum dogma.
Mas por quê fazer esta distinção? Porque há, ainda, muitos
preconceitos de um em relação ao outro. E mesmo ao ponto de se repudiarem, se
odiarem, por seguirem caminhos diferentes. Ora, é um processo de “soma zero”,
pois se busca minha elevação moral e espiritual – não importante qual caminho
siga – ao mesmo tempo em que nutro preconceitos em relação ao outro, na verdade,
não estarei saindo do lugar, pois não estarei – de fato – atingindo qualquer evolução.
Como bem disse Nietzsche: não há fatos eternos, como não há
verdades absolutas. Portanto, cada um deve buscar aquilo onde encontra mais
sintonia com seu interior, mas fundamentalmente, respeitando as escolhas dos
demais.
Duas pessoas podem olhar para o mesmo vaso, cujas faces apresentam
distintas decorações, e terem visões diferentes. Porém, se cada uma fizer um
esforço de se movimentar para a posição do outro, para também tentar enxergar o
que aquele observou, perceberá que sua visão não era a única. A sua verdade não
era a única.
Espiritualidade e religiosidade podem ou não andar juntas. O mais importante,
no entanto, é que cada um encontre, da sua forma e de sua livre escolha, o seu
próprio desenvolvimento.
Jornalista e sociólogo
MTb 0018790/RS